segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

120 resoluções por minuto

Pior do que a azáfama nos centros comerciais com as compras de presentes do dia 24 é a azáfama nos centros comerciais com as trocas de presentes do dia 26. No dia seguinte a terem-nos recebido, as pessoas vão a correr trocá-los. Um correr conotativo, claro. Com o que comeram no Natal, é mais um arrastar. Aliás, esse é um dos problemas. Alguns dos presentes que se trocam são peças de roupa. Há quem os vá trocar por estarem apertadas quando na realidade, as pessoas estão é mais gordas.
Centros comerciais, lojas, terminais de Multibanco, leitores de códigos de barras. De repente, toda a base da economia de mercado é transformada num simples entreposto de troca directa: dou-te umas calças, dás-me um par de sapatos. É irónico. Principalmente se as calças forem mais giras que os sapatos. E é irritante para os comerciantes, que estão a trabalhar sem ganhar nenhum. E é também um complexo problema filosófico: «trocar o presente».
«Trocar o passado é inútil. Para que é que nos interessa um novo passado? Podemos dizer que fomos um grande jogador no antigamente. Mas o máximo que acontece é pagarem-nos copos. «Trocar o futuro» é angustiante. Porque não sabemos se o novo futuro será melhor do que o que temos reservado. É como mudar de faixa num engarrafamento: mal trocamos, a faixa em que estávamos começa logo a andar. Agora, «trocar o presente» é uma possibilidade aliciante. Própria do pós-Natal. Por momentos, achamos que temos as rédeas da vida na mão. («Rédeas da vida na mão» é uma metáfora em que só as mãos são em sentido figurado. Na realidade, a vida tem de facto umas rédeas. Só que nós não temos mãos, porque somos a mula que carrega a vida. De vez em quando, agarramos as rédeas, mas com a boca.)
E esta época é propícia a isso. As pessoas podem e querem trocar presentes. É por isso que fazem resoluções de ano novo. Para tentarem arranjar um presente novo. Durante anos acreditei nisso e, resolutamente, fui fazendo as minhas. Às vezes até cumpria umas durante algum tempo. Mas nunca todas durante todo o tempo. Só agora, quando fui ver as do ano passado, é que percebo porquê. Também vão perceber. Vejam as minhas resoluções para o ano de 2007: comer melhor; beber menos; cumprir prazos de entrega da crónica; ver menos televisão, ler mais; não gastar dinheiro estupidamente; não ficar a jogar playstation em vez de trabalhar; não ser bruto a jogar à bola; ser melhor pessoa.
Percebem agora? É racionalmente impossível realizá-las. Um absurdo. As minhas resoluções de ano novo são um paradoxo. São antagónicas. Como é que eu posso seguir todos estes postulados e, ao mesmo tempo, ser melhor pessoa? Se não comer porcarias, não beber, não preguiçar, não for estúpido, vou ficar muito mal disposto, não consigo ser melhor pessoa. Pelo contrário, só chateio toda a gente. Tão simples quanto isso.
Aposto que o leitor está a pensar trocar de jornal.
José Diogo Quintela
(in jornal Público - Crónica do costume)

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